quarta-feira, 30 de outubro de 2013

O Homem dos Pontos de Vista Materialista e Espiritual






Qualquer pessoa inteligente, capaz de pensar com solidariedade, ainda que vagamente perceptiva das realidades de sua vida, não pode deixar de sentir que há um grande mistério oculto por trás do universo e de sua própria vida e, até que o mistério seja desvendado, sua vida não poderá ter real significado nem paz. Ela pode ignorar o mistério ou tentar esquecê-lo mergulhando no trabalho ou em outra distração, mas o enigma, qual um fantasma, continua envenenando subconscientemente qualquer felicidade que possa tirar de suas experiências no mundo exterior.

A grande maioria das pessoas não percebe, nem mesmo vagamente, a existência desse mistério, por estar absorvida por seu ambiente, pelos acontecimentos de que participa e, assim, não se preocupa com os enigmas mais profundos da vida. Há, é claro, uma razão definida para tal estranha incapacidade de ver o óbvio. Essas pessoas terão ainda de passar por um maior número de experiências, agradáveis e penosas, até desenvolverem a faculdade de discernimento, chamada viveka em sânscrito. Viveka é um sinal de uma alma amadurecida e portanto qualificada para empreender a tarefa de resolver os problemas mais profundos da vida.

Qualquer um que esteja espiritualmente desperto e inclinado a compreender e, se possível, desvendar o grande mistério da vida, pode procurar conhecimento sobre o assunto em três direções: a religião, a ciência e a filosofia, verificando que o que estas têm a dizer, em seus respectivos campos, ajuda a decifrá-lo. Mostrar-se-á, mais adiante, como o método oculto de aproximação desse problema fundamental, baseado como é na investigação sistemática e direta pelos métodos combinados da religião, da filosofia e da ciência, pode, somente ele, dar uma explicação teórica satisfatória, bem como uma técnica eficiente para sua solução. Mas antes de podermos apreciar o valor do método oculto para a elucidação do mistério do homem e do universo, é necessário que se pense um pouco sobre esta questão vital: qual será a importância do homem e de sua vida, de acordo com os pontos de vista materialista e espiritualista, fundamentalmente tão diferentes?

Estamos tão absortos em nossas buscas e paixões comuns, despertadas pelos acontecimentos passageiros, que não percebemos, nem mesmo vagamente, os fatos básicos de nossa existência, que se encontram ante nossos olhos e nos fariam ficar estarrecidos e receosos se pudéssemos perceber sua verdadeira importância. A filosofia materialista, apoiada como é apenas no intelecto, não pode perceber, em sua cegueira espiritual, a importância desses fatos e as implicações de suas próprias conclusões no que tange à natureza e ao destino do homem, e ao significado do propósito da vida humana. Do campo da ciência tomaremos somente um desses fatos óbvios, para exemplificar quão cego é o materialismo científico com relação às implicações das descobertas científicas.

As pesquisas dos astrônomos mostram que nossa Terra é um mero grão de poeira em comparação com o vasto e ilimitado universo de bilhões de sistemas solares separados por inimagináveis distâncias medidas em termos de anos-luz. Sua vida, que nos parece tão longa, nada mais é do que um relâmpago na longa duração do tempo em que se supõe existir o universo. Nesse insignificante e evanescente planeta, a atual humanidade começou a existir há apenas alguns milhares de anos. Seu passado está sepultado nas incertas evidências de camadas geológicas e fósseis de animais, e seu futuro é matéria de conjectura tanto quanto a filosofia materialista possa alcançar.

Certamente, com tais fatos científicos à nossa frente, não podemos deixar de considerar as conclusões óbvias e inevitáveis que eles nos indicam. Uma das conclusões, terrível em suas conseqüências se tivermos olhos para enxergá-la, é que o homem nada significa em seu aspecto físico, nada importa para a Natureza. Uma colônia de formigas sobre um tronco de árvore flutuando no Oceano Pacífico tem comparativamente maior importância do que nossa humanidade ocupando esse planeta que flutua no universo ilimitado e que, inevitavelmente, desaparecerá no espaço vazio, e no esquecimento, não deixando o menor rastro após sua passagem. É claro que, se considerarmos o ser humano individual como uma unidade desta humanidade contínua mas sempre mutável, a importância de nossa vida física reduz-se praticamente a nada. Basta-nos recordar como poderosas civilizações que outrora floresceram foram devoradas pelas ondas avassaladoras do tempo, para vermos que destino realmente nos aguarda, como entidades físicas, quer sejamos grandes e poderosos, quer sejamos fracos e desvalidos.

Se esta é a realidade básica de nossa existência, como meras entidades físicas, não deveríamos parar e considerar cuidadosamente nossos objetivos e ideais, essa procura febril de finalidades puramente materialistas, por mais realistas e espetaculares que possam parecer? Não deveríamos nos aprofundar na questão da vida e de seus problemas, em vez de ignorá-los e visar impensadamente apenas nossos objetivos prediletos? É preciso apenas um pouco de senso comum e de desligamento consciente de nossos interesses e preocupações absorventes para vermos quão insignificante e ilusório seria o drama representado no palco do mundo se não houvesse nele algo mais, oculto por trás do jogo de sombras que estamos contemplando.

Na verdade há algo mais escondido atrás da representação que, de outra maneira, seria apenas uma exibição passageira e sem sentido, dando significado e importância à marcha dos acontecimentos e das coisas que testemunhamos no tempo e no espaço. É o que está no interior, nos reinos mental e espiritual da Natureza, invisível mas muitíssimo mais verdadeiro, que dá sentido às multidões de políticos presunçosos desfilando pomposamente no palco do mundo, aos cientistas empenhados em frenéticos esforços na sondagem dos reinos da Natureza, às pessoas comuns adquirindo vários conhecimentos e habilidades, aos filósofos tecendo infindáveis teorias sobre a vida humana e o universo, e aos religiosos lutando para atingir um ideal de perfeição que obviamente ultrapassa sua verdadeira capacidade.

Se ignorarmos esta realidade oculta em seu interior, reduzimos o homem à condição de um mero animal que evoluiu pela ação de forças naturais cegas, e que está destinado a assim permanecer em essência, ainda que adquirindo maior conhecimento e inteligência através do lento processo da evolução. Mas tal acúmulo de conhecimento e progresso da inteligência é útil somente para esse indefinível e sempre mutável agrupamento de seres humanos, conhecido como a raça humana. O ser humano individual não é mais do que uma criatura completamente insignificante proveniente de circunstâncias aparentemente acidentais e destinado a morrer e desaparecer no vazio do esquecimento, depois de despender alguns anos em agitação febril e variadas buscas sem significado. Os meios artificiais e ilusórios de satisfação que, sem cessar, ele cria para si mesmo, são inúteis na irresistível marcha do tempo e na destruição de tudo o que lhe é mais caro.

Este é o estado de coisas e a expectativa que a filosofia materialista oferece ao homem e que um grande número de pessoas, mesmo intelectuais, vêm aceitando sem pensar por não estarem aptas a perceber a verdadeira importância daquilo que as rodeia. Se não fosse tão comum a tendência de considerarmos como óbvios os fatos de nossa vida, se não estivéssemos tão hipnotizados pelo deslumbramento das façanhas científicas, veríamos que a atitude pragmática em que se baseia a filosofia materialista nada mais é do um meio de fugir das árduas e assustadoras realidades do mundo físico. A filosofia materialista fornece ao mundo científico uma justificativa ostensiva para a persecução impensada de objetivos que não podem ser justificados em face dessas realidades. Queremos soterrar nossas cabeças nos problemas imediatos e limitados por não nos atrevermos a encarar os problemas maiores e bem mais reais que estão sempre presentes na base de nossa experiência.

Considera-se a atitude pragmática justificável e julga-se a posição científica invencível porque os cientistas asseveram que todo o seu trabalho e todas as suas conclusões estão baseados em fatos passíveis de comprovação. De fato, o cientista pode dizer sempre ao ocultista: “Dê-me provas. Mostre-me que existe alguma coisa além do mundo físico que possa ser conhecida pelos órgãos dos sentidos ou pelos instrumentos físicos, que são, na verdade, simples extensões dos órgãos dos sentidos. Demonstre-me que os mundos mais sutis e invisíveis existem dentro do mundo físico e que todos esses mundos derivam de uma Realidade Suprema, eterna, onipresente, formam um conjunto integrado”. O ocultista não pode aceitar tal desafio usando o experimento físico comum e demonstrar ao cético o que está afirmando e tentando comunicar. As coisas que lhe pedem para demonstrar não podem ser tratados tão simplesmente, pois não são materiais; pertencem ao reino da mente e da consciência, e é absurdo pedir demonstração física de fatos mentais e espirituais. Cada investigador tem de explorar e descobrir esses reinos interiores por métodos apropriados. Qualquer tolo percebe que os reinos espiritual e mental somente podem ser explorados por métodos mentais, pelo mergulho nos recessos mais profundos de nossa mente e de nosso Espírito. Os outros métodos apenas chamam a atenção para sua existência e mostram o caminho para este conhecimento mais profundo. Os mundos mais sutis da Realidade não podem ser trazidos ao cético. Ele tem de se aprofundar no reino da própria mente para encontrá-los.

Quanto à questão das provas, um estado cuidadoso das teorias e dos fatos científicos em que elas se baseiam mostrará que a posição do cientista ortodoxo não é tão invulnerável como julga o leigo. O cientista considera-se competente para emitir altissonantes opiniões sobre tais questões, verificaremos que se fundamentam quase inteiramente na frágil evidência de fenômenos extremamente limitados, observados com instrumentos tão-somente físicos como o telescópio, o microscópio e a máquina fotográfica. O cientista não considera as limitações desses instrumentos e, com base em dados coletados através deles, desenvolve complexas teorias sobre coisas que estão além do alcance de sua investigação.

Ao mesmo tempo em que se considera justificado por ter de propagar pontos de vista bem-definidos sobre mais profundos problemas da vida baseando-se em evidência tão tênue, tão insuficiente, o cientista encara o testemunho claro e irrefutável de números ocultistas, sábios, santos e místico sobre a existência de mundos mais sutis, como não confiável ou mesmo indigno de considerações. Algumas dessas grandes almas como Budha, Cristo, Shankarânchâria e Patañjali destacam-se como gigantes em sua estatura intelectual e espiritual e têm sido seguidos e reverenciados por um imenso números de pessoas, em todo o mundo, durante milhares de anos. Outros Mahâtmas, igualmente elevados e vivendo na atualidade, mas que preferem ficar incógnitos, trazem também seu testemunho da existência desses mundos mais sutis e muito mais reais. Seguramente, nenhuma pessoa de bom senso pode afastar toda essa evidência esmagadora e inquestionável baseada em experiências diretas de todas essas grandes almas, a menos que tenha a mente completamente obstruída por preconceitos.

Não se trata, como às vezes se supõe, de uma opinião basear-se em fatos do mundo objetivo e outra em percepções subjetivas no reino da mente. Ambas baseiam- se na mente. Ambas são objetivas num sentido e subjetivas em outro. Pois não é o conhecimento obtido através dos órgãos dos sentidos fundamentado na percepção de imagens mentais presentes em nossa mente e, portanto, subjetivo em sua natureza essencial? As pessoas não compreendem que os órgãos dos sentidos são apenas postos avançados da mente, e o conhecimento do chamado mundo objetivo é essencialmente de caráter subjetivo. Assim, ambas as opiniões sobre o mundo que nos cerca baseiam-se na mente e na experiência humana. Trata-se, portanto, apenas de uma questão de se dar crédito a uma opinião porque esta nos convém, preferindo permanecer envolvidos nas experiências atraentes da vida inferior, rejeitando a outra porque não desejamos encarar os problemas reais da vida e empreender a tarefa de nos livrarmos das ilusões e limitações em que estamos enleados.

Considerando a relativa credibilidade dos pontos de vista materialista e espiritualista, deixemos de lado as doutrinas do Ocultismo que poderiam nos dar alguma idéia em relação ao universo físico visível. Não compliquemos o problema entrando nesses detalhes no estágio inicial. Consideremos apenas a questão básica: será o universo físico, que podemos conhecer com nossos cinco sentidos e com o auxílio de nossos instrumentos físicos, a única realidade na existência, ou será apenas um revestimento externo do universo maior e mais real que nele está oculto? Não compliquemos essa questão e seu exame com detalhes relativos à natureza da parte invisível do universo. Porque, se éverdade que há um universo invisível mais sutil, com vários graus de sutileza, oculto no universo físico, ou que o universo aparentemente material que conhecemos é essencialmente mental em sua natureza, então todo o edifício do materialismo científico se esboroa e todas as conclusões e pronunciamentos pomposos em relação à natureza do homem e do universo, dos propósitos materialistas e dos objetivos da vida humana ficam sem valor e sem sentido. Somente então é que o caminho se torna claro levando a pensar seriamente sobre a natureza deste universo apesar de invisível, e sua relação com o universo visível que podemos conhecer pelos órgãos dos cinco sentidos.

Deixemos agora a questão da natureza do universo e voltemos ao homem. Aqui, mais uma vez, encontramos um contraste notável e animador entre os ponto de vista do materialismo científico e do Ocultismo. Consideremos primeiro o que é o homem de acordo com o materialismo científico. Ele é mencionado como “o homem, esse desconhecido”, pelo que se deduz que não sabemos e não podemos saber o que é o homem, exceto o que nos é facultado conhecer através de nossos cinco sentidos e instrumentos físicos. Em outras palavras, o homem nada mais é que seu corpo físico e quaisquer que sejam as expressões mentais que possam acontecer através dele, são subprodutos de seu funcionamento físico. Ele é assim, essencialmente, um animal que de maneira misteriosa desenvolveu faculdades mentais e inteligência como um passo a mais no processo evolutivo e continuará a desenvolvê-las nessa direção se, no futuro, não lançar o mundo num holocausto de guerra atômica e reverter ao estado simiesco.

Esta opinião sobre a natureza do homem pode aparecer chocante quando assim expressa, mas está implícita nas teorias da ciência atualmente em voga e aceitas sem discussão pelos intelectuais modernos e seus seguidores. Eles não só a aceitam como também estão orgulhosos de sua visão racional e científica, em que supostamente se baseia esse ponto de vista. A opinião de que o homem é divino em sua origem, divino em sua natureza e tem potencialidades divinas ilimitadas nele ocultas é considerada obsoleta e baseia-se em teorias que se desejaria fossem reais.

Se o homem é considerado um animal altamente evoluído, que desenvolveu a mente como subproduto no curso natural da evolução, é então natural que seja tratado basicamente como um animal por aqueles que se consideram responsáveis por seu bem-estar. Estes tentam prolongar sua vida e torná-la tão confortável quanto possível. Tentam provê-lo com divertimentos em suas necessidades emocionais, e com a arte, a literatura etc. em suas necessidades intelectuais. Dão-lhe um enterro decente quando desaparece por trás da cortina da morte e sua vida como indivíduo, como supõem, extingue-se para sempre. Que mais pode desejar um animal?

A esta concepção do homem como um animal glorificado segue-se também o completo desdém por sua individualidade e o direito de usá-lo de qualquer maneira que a comunidade julgue melhor ou mais necessária. O homem não tem direito a nenhuma opinião individual, nem a viver sua vida como bem lhe aprouver, nem a interferir quando isso discordar dos planos da maioria dos detentores do poder. É considerado perfeitamente justificável destruir indivíduos ou coletividades quando aqueles que se julgam responsáveis por seu bem-estar acham desejável ou necessário. Pode-se ver como tal chocante atitude se assemelha ao nosso comportamento em relação aos animais. Nós os alimentamos devidamente, damos-lhes tanto conforto quanto possível, mas quando necessitamos de carne os matamos sem piedade.

É um alívio abandonar esse conceito degradante da origem, natureza e destino da humanidade, que a filosofia materialista criou, para examinarmos o conceito espiritual do Ocultismo. Tal conceito não é o produto do pensamento arbitrário de um indivíduo ou grupo de indivíduos que, sem conhecimento ou mesmo sem estudo das realidades da vida, formulam teorias complexas sobre a natureza humana, seus ideais e seus métodos de realizá-los, baseando suas teorias somente em observações e estudo dos fenômenos superficiais e passageiros da vida. O conceito espiritual baseia-se na sabedoria e na experiência direta de Grandes Adeptos que, conseguindo penetrar nos mistérios mais profundos da vida, neles encontraram a Realidade, que jaz à base de todo o universo, e o contém em si, de maneira misteriosa mas bem verdadeira. Somente tais Seres liberados, que transcenderam as limitações e ilusões dos mundos inferiores, é que estão permanentemente estabelecidos na Realidade e em condições de dar opinião segura e fidedigna sobre essas questões vitais concernentes ao homem e ao universo. Aqueles que fundamentam suas conclusões sobre tais coisas, no que podem ver através de seus microscópios, e estão ainda envoltos nas ilusões mais grosseiras dos mundos inferiores, obviamente são incompetentes para fazê-lo, simplesmente porque seu conhecimento é incompleto, duvidoso e divorciado da sabedoria. Se for necessária alguma prova disso, será fornecida amplamente pelas condições caóticas, conflitantes e extremamente perigosas que resultaram para o mundo por seguir a filosofia do materialismo. Afinal de contas, uma filosofia tem de ser julgada por seus frutos.

Além disso, qualquer um que compare, com mente livre de preconceito, as diferentes maneiras de assegurar e promover o bem-estar da humanidade, terá de reconhecer que os métodos humanos preconizados pela filosofia espiritual da vida estão muito mais de acordo com nossas idéias de comportamento civilizado do que os processos bárbaros seguidos pelos partidários da filosofia materialista. Uma recomenda conflito e luta; a outra cooperação e fraternidade. Uma depende do ódio e da violência para a solução dos problemas internacionais; a outra da razão, da compreensão e da justiça. Uma é dura em sua atitude em relação ao homem comum e, sem a menor hesitação, inflige sofrimento desnecessário a uma grande quantidade de pessoas; a outra é muito sensível e cuidadosa relativamente ao modo como suas decisões e ações podem afetar a vida das pessoas. Uma respeita a individualidade do homem e cuida dela, tratando de criar um ajustamento harmonioso e feliz entre as necessidades e interesses dos indivíduos e os da sociedade; a outra considera o indivíduo como inteiramente sem importância e o esmaga sem piedade para atingir seus objetivos.

Certamente qualquer um que observe essas duas exposições dos ideais e métodos das duas filosofias, verá imediatamente que as diferenças nascem e são conseqüência inevitável de dois fatores: por um lado, considerar o homem como um animal evoluído; por outro, tê-lo como um ser espiritual com raízes na divindade. Se, entretanto, verificarmos que a filosofia materialista criou condições intoleráveis e perigosas, a solução é adotar a outra filosofia, pelo menos como medida experimental. A história tem mostrado repetidamente que o simples fato de um grande número de pessoas concordar com uma determinada ideologia ou modo de vida não significa necessariamente que estejam certas. A mente das massas é muito acessível, e facilmente influenciável pelos apelos dos instintos inferiores, preconceitos mesquinhos e paixões mais baixas da humanidade. Chegou o tempo de repassarmos os problemas vitais que temos pela frente e verificarmos se a filosofia espiritual da vida não requer uma avaliação justa. Honesta e seriamente substituamos o conflito pela cooperação, o ódio pelo amor, a violência pela razão, a força bruta pela sabedoria, a busca mecânica de ideologias arbitrárias pelo encarar inteligente dos problemas da vida o seguir cegamente um líder ou partido pelo senso individual de responsabilidade. Em resumo, admitamos o insucesso da filosofia materialista e tentemos fazer uma avaliação justa da filosofia espiritual.

Não necessitamos considerar aqui a natureza e o conteúdo da filosofia do Ocultismo, pois trata-se de assunto muito vasto e este livro destina-se a oferecer apenas vislumbres desta filosofia sob as enormes limitações que o pensamento e, especialmente, a linguagem impõem à apresentação de tais verdades. É necessário, entretanto, realçarmos, de maneira muito resumida e geral, qual é a concepção do homem de acordo com esta filosofia, de modo a podermos compará-la com a concepção do homem segundo a filosofia materialista.

O Ocultismo sabe que o homem é um ser mental agindo através do corpo físico que lhe serve de instrumento para a aquisição de experiência no plano físico. Ele não é apenas uma entidade mental, mas tem também um núcleo espiritual de potencial ilimitado no qual pode ver a si mesmo como sendo um com a realidade que fundamenta o universo, geral e vagamente designada como Deus. É através deste Centro espiritual, ou antes divino, oculto sob muitas camadas da mente, que ele pode entrar em contato com todo o universo, em todos os níveis de sutileza e resolver em seu interior, no mais profundo de sua consciência, o total e eterno mistério de sua própria natureza, do universo e da Realidade da qual ambos são derivados. Por fundezas de sua mente, é que o homem pode vir a percebê-lo, transcendendo sistematicamente as diferentes camadas da mente.

A filosofia do Ocultismo baseia-se desse modo na revelação sistemática do mistério; por um grande número de Adeptos do Ocultismo, alguns dos quais têm se manifestado ao mundo, de tempos em tempos, como sábios, santos e místicos. Esse grupo de homens coordenou a Sabedoria Eterna, repetidamente verificou-a com sua própria experiência, e preservou-a através das idades como um legado para toda a humanidade. São esses homens, os verdadeiros guardiões da humanidade, que trabalham constantemente por trás dos bastidores guiando-a pelo caminho da evolução, que é seu destino, com sabedoria e vontade infalíveis.

Pelo exposto acima fica claro que não pode haver comparação entre esta filosofia e a do materialismo. Esta última baseia-se em percepções sensoriais de pessoas ainda envolvidas nas limitações da mente inferior e que, com incompletos e vagos, tentam desenvolver, sobre o homem e o universo, teorias experimentais constantemente em mutação. A primeira fundamenta-se na experiência direta de seres Auto-realizados e liberados que têm não apenas investigado sistematicamente os mundos mais sutis, como também encontraram a Verdade final da existência e procuram projetá-la nos reinos do pensamento, em benefício daqueles que ainda são prisioneiros de suas próprias mentes.

Nos dias atuais tem-se dado grande consideração às realizações da ciência, como o homem está descobrindo os segredos do átomo, sondando cada vez mais as enormes profundezas do espaço, caçando micróbios, controlando doenças etc., e por isso muitos ingênuos acreditam que a ciência acabará por resolver todos os problemas humanos e por fazer da Terra um céu sem Deus. Seria absurdo minimizarem-se as realizações da ciência. Elas são realmente admiráveis, mas não exageremos sua importância ou eficácia na solução dos problemas mais profundos que a humanidade tem de enfrentar. A ciência já criou problemas muito sérios e urgentes por ignorar as realidades da vida, e o desenvolvimento da nossa natureza moral e espiritual não acompanhou a do intelecto. Talvez nunca tenha antes havido tanta inquietação, medo, conflito, incerteza, tanto acúmulo de meios de destruição em massa, tanta concentração de poder em indivíduos, muitos dos quais, por simples acidente ou erro de julgamento, podem destruir populações inteiras, infligindo enorme sofrimento a pessoas inocentes e desamparadas. Mesmo os inúmeros prazeres e meios de diversão que a ciência vem proporcionando não são benefícios puros, pois fazendo com que o homem se volte cada vez mais para o exterior tornam-no superficial e isolado da única fonte de verdadeira força, paz e sabedoria que está dentro dele. A quase universal e progressiva insatisfação da juventude que procura lenitivo na mudança constante, nas excitações de várias espécies e mesmo nas drogas, é um sintoma da moléstia básica que aflige nossa civilização – a desintegração da psique que se verifica quando o homem repudia sua natureza espiritual e é separado de seu Centro Divino. Nem tudo isso, é claro, deve-se propriamente à ciência, mas à filosofia materialista desenvolvida e adotada por aqueles que trabalham pelo progresso da ciência ou a exploram para seus propósitos políticos e sociais de curta visão.

Ao considerarmos a filosofia do Ocultismo, não devemos confundi-la com as filosofias geralmente associadas às doutrinas das religiões ortodoxas. É verdade que as grandes religiões do mundo foram transmitidas por instrutores espirituais que estavam em contato com as realidades interiores, e assim as doutrinas fundamentais dessas religiões refletem mais ou menos as doutrinas que fazem parte do Ocultismo. Mas nenhuma religião permanece em sua pureza original, livre de acréscimos que, no decorrer do tempo, vão se acumulando; nenhuma permanece incólume aos preceitos e fraquezas daqueles que transmitem as doutrinas de uma geração para outra, após a perda de contato com as realidades interiores. É inevitável, por conseguinte, que todas as religiões se tornem cada vez mais deterioradas, ineficientes e formais. Eis por que o estudo e a prática de todas as religiões requerem discriminação, e aquele que procura seriamente a Verdade deve tentar separar cuidadosamente o que é verdadeiro e fundamental do que é falso e supérfluo, resultante de acréscimos que tiveram lugar no decorrer do tempo.

É necessário o mesmo cuidado no estudo das várias filosofias que, de tempos em tempos, são formuladas por filósofos acadêmicos nos diversos países. Cumpre estudá-las com discernimento, fazendo-se um esforço para separar o que é baseado em pura especulação do que é apoiado no conhecimento. O teste decisivo no caso de todas as doutrinas, quer de natureza religiosa quer filosófica, é estarem fundamentadas em experiência direta e poderem ser verificadas experimentalmente por alguém que possua as qualificações necessárias. Esse teste talvez não seja fácil de ser efetuado, mas todas as religiões e filosofias devem ser submetidas a ele, a fim de se comprovar sua validade.

Do Livro “O Homem, Deus e o Universo – I K Taimni – Ed. Pensamento.


Aranauam


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